na minha família tem gays. eu cresci nos anos 2000 e sempre soube que o primo da minha mãe tinha um namorado. nunca chamavam eles de amigos, eram namorados e pronto nunca foi uma grande questão, especialmente porque o namorado do primo da minha mãe sempre foi muito legal comigo. então eu sempre soube que gays existiram e isso nunca foi um problema no lar católico-não-praticante onde nasci e fui criada.
lá no ensino médio, em meados de 2015, meu melhor amigo, o Alisson, reuniu nosso grupo de amigas e falou que era bi. o Aly é um homem trans, e na época ainda não tinha se entendido como tal, mas irei usar os pronomes adequados (masculinos) pois é a forma certa de se referir a ele. eu fiquei um pouco perplexa quando ele falou isso, porque essa possibilidade não era uma possibilidade até aquele momento. eu não sabia que havia chance de não ser apenas hétero ou gay. algo mudou ali.
eu fiquei obcecada então. ser bi, que conceito! eu li todos os livros jovem-adultos com temáticas lgbt lançados no período, seguia todas as recomendações de booktubers. eu fiquei totalmente imersa nisso, por razões óbvias. era também a época do quebrando o tabu, um momento muito interessante da nossa história recente em que adolescentes em geral eram progressistas e o fascismo ainda não havia se espalhado em nossa sociedade. bons tempos de facebook. e se meu melhor amigo era lgbt, eu seria sua fiel escudeira e aliada. simpatizante!
eu tive poucas experiências românticas na adolescência, primeiro porque eu era estranha, segundo porque as experiências que tive foram desagradáveis e duradouras. então, meu primeiro beijo foi com um menino e todas as primeiras experiências (primeiro encontro, primeiro ghosting, etc) também foram. a única coisa alarmante é que, em geral, eu me interessava por homens meio açucarados. isso até virou motivo de piada entre as minhas amigas do ensino médio. mas isso nem é questão.
foi na faculdade, no primeiro ano da graduação, que eu experienciei uma confusão. havia essa garota, Alexandra, e eu me interessava muito por ela. ela era amiga de um colega meu, mas conversávamos pouco. nossa única conexão era nos seguirmos mutuamente no instagram. mas eu lembro de um dia ficar encarando ela por tempo o suficiente de ser estranho e depois só dar uma desculpa - para mim e para ela, claro - e não dizer mais nada. no segundo ano, fui à uma festa com uma ex-amiga e a Alexandra e o meu colega de turma estavam nessa festa. minha ex-amiga tinha sumido, então passei um tempo com eles, mas não aconteceu nada. eu não tinha bebido o bastante, acho. foi a última vez que os vi.
eu lembro de compartilhar esse meu interesse estranho na Alexandra para meu amigo Aly. mas sempre comentei de um jeito meio indireto, quase tentando me enganar. era uma coisa estranha, ainda é, porque na época eu tinha 20 anos e parecia meio tarde pra ter essa Revelação. então eu ignorei. e ignorei por anos. comecei a namorar - um homem - e pensei é isso, resolvido. e até então a única pessoa que sabia das minhas questões era meu amigo Aly. vivi outras várias primeiras experiências com meu namorado e amei todas elas. mas eu ainda sentia aquela pedrinha no sapato. eu ainda não tinha resolvido - ou sequer lidado - com a questão da minha sexualidade. eram quase dez anos nessa dúvida. somado a outras coisas, isso tudo começou a pesar e me afastou do meu namorado e da minha própria existência.
foi numa ida ao bar com meus amigos da pós-graduação que eu falei sobre isso, em voz alta, para outras pessoas. já tínhamos bebido um tanto e nem todo mundo era próximo, então entramos no tópico solteiro ou namora? e aí, consequentemente, sobre sexualidade. da mesa de oito, apenas duas eram hétero. quando chegou minha vez, eu disse bi. e passaram para o próximo, ninguém se importou muito. nada especial, só mais uma terça-feira. mas foi uma virada de chave, porque foi o momento que eu percebi que isso não importa diante dos grandes problemas da vida.
mais tarde, em outubro, isso foi a razão inicial pela qual pedi um tempo do meu namoro. haviam outras mil questões, claro, mas essa foi a que eu escolhi usar como justificativa. até para ser uma desculpa de contar para o meu namorado. novamente, ele não ligou. meus outros amigos - esses da época da escola - também não ligaram. na verdade, acho que ninguém sequer pensou muito sobre isso por muito tempo. foi um alívio, claro, mas também uma merda, porque eu guardei isso por tanto tempo e quando revelei ninguém ligou. na verdade, teve até quem dissesse ah, eu imaginava. tipo, oi?
acho que a parte que mais me assusta sobre isso é explicar. explicar que não virei gay, ou que não estou confusa. ou explicar porque fiquei com um cara e não com uma garota e tentar não ficar encasquetada de porque raios teria sido melhor se fosse uma garota. me pergunto um pouco a diferença. claro, é muito mais misterioso para mim como conversar com uma garota sem chamar ela de amiga. e isso é algo que me parte o coração, porque parece que perdi esse timing tendo receio que as pessoas achassem que eu estava querendo chamar atenção. eu não tive coragem de contar para as pessoas na adolescência e agora parece meio tarde demais, parece que talvez eu devesse me contentar em só continuar como estava já que não quis viver essas coisas na adolescência. mas se tem uma coisa que estou aprendendo esses meses é que somos meio insignificantes no Grande Esquema das Coisas. no final do dia, ninguém vai pensar muito sobre minha sexualidade, porque oras, o valor da passagem de ônibus vai aumentar e eu nem sou tão importante assim.
ontem minha psicóloga disse que está orgulhosa de mim por estar lidando melhor com quem eu sou versus quem as pessoas gostariam que eu fosse. e também uma das minhas metas para o novo ano é me tratar como eu trataria uma pessoa querida. acho que antes de tudo, estou tentando não pensar sobre ser tarde ou não. e também na validade da minha sexualidade apesar de só ter me relacionado romanticamente com homens. surpreendentemente, está sendo bem mais fácil de me aceitar agora. nada como resolver um problema que você mesmo criou… ou talvez só seja efeito do álbum the rise and fall of a midwest princess.
*bônus: gabarito da imagem acima*
mochila kanken: check (uso o tempo todo, inclusive)
ecobag: check (mas as minhas são brinde de editoras e/ou eventos acadêmicos, porque sou meio que essa pessoa também…)
vans e/ou all star: check
jeans dobrado: check (só uso assim)
cabelo colorido: check (tive por uns anos, agora não mais)
harry styles: check
piercing no nariz: check (na época da escola!)
the neighbourhood: check (na época da escola - inclusive fui ao show no lollapalooza)
sobre o urso de pelúcia e os brincos, não tenho opinião. sobre os cristais, sou contra - apesar de achá-los ótimas decorações…