hoje pela primeira vez fui emocional e não racional na terapia. palavras da minha psicóloga. eu chorei copiosamente enquanto afirmava, entre lágrimas e secreção nasal, que não acredito que mereço ser amada. que talvez eu só não seja amável. talvez eu tente com afinco, e que as pessoas até gostam um pouquinho de mim, mas amor de longo prazo? impossível. quem acha que me ama está enganado, porque não sou amável. apenas não sou.
eu não sei se tenho essa crença porque nos meus anos formativos de adolescência um garoto que eu gostava me dizia constantemente como ele se esforçava pra gostar de mim, e como eu devia ser grata por ele tentar. eu não sei se tem a ver com todas as vezes que eu senti que estava exagerando ao demonstrar afeto e sentimentos. é coisa de gente emocionada, precisamos ser racionais. mas o ponto é que ontem eu apaguei minha conta no bluesky e quis apagar minha conta no Instagram. eu quis não responder nenhuma mensagem no WhatsApp e desaparecer de todo mundo - dos meus amigos da escola aos meus amigos do mestrado. eu quis sumir para saber se alguém iria notar. se alguém sentiria minha falta. se alguém restaria. mas o complicado de fazer isso é que talvez os resultados fossem decepcionantes…
eu sei que não sou o centro do mundo, que as pessoas têm sua vida e que não me devem afeto constante. sei também que é difícil amar alguém que não se abre. mas estou tentando, eu exponho minha ansiedade e minhas inseguranças e ainda assim não é o bastante. parece que quanto mais me abro, mais difícil ter conexões. ao passo que, quanto mais eu finjo e tento me adequar, mais promissor - apesar de também fadado ao fracasso. quando eu era mais nova eu dava essas sumidas, de passar o dia offline, não responder ninguém. ninguém percebe, na verdade. imagino agora, mais perto dos 30 do que dos 15, se alguém daria uma foda para a minha carência. tenho uma qualificação para escrever, não posso me dar ao luxo de arregar.
tenho pensado na cena de The Bear em que o Carmy está preso na geladeira e fala que só é bom no que faz porque é uma aberração, e que ele não precisa receber felicidade ou divertimento ou promover felicidade ou divertimento. eu sinto um pouco isso. minha psicóloga diz que eu pareço me punir muito, eu disse que não, imagina. mas aí lembrei que puxo pele da cutícula até sangrar, que tenho passado dias inteiros sem comer - bebendo só água e café -, que não tenho mais nenhum hobby (nem sequer ler literatura), que me afastei de alguns amigos (aqueles ditos de “baixa manutenção”)… eu estou me punindo por não ser amável e antecipando a tristeza para evitar que ela me pegue desprevenida.
eu pensei em sair do meu grupo de amigos no WhatsApp ontem. pensei em não responder mais nenhuma mensagem deles e só sumir. tenho pensado que queria morrer - porque na morte eu não seria mais uma pessoa, mas uma coleção de lembranças boas. eu estaria morta e não cometeria mais erros. é fácil amar quem não existe mais. mas não tenho pensamentos suicídas, eu jamais me mataria. mas tem vezes que eu gostaria de morrer.
eu não acho que seja fácil de me amar. eu sinceramente acho que nunca me amei. e vejo o amor como prêmio, prêmio para quem se dedica, para quem se esforça, para quem vai bem. o amor é o prêmio de uma maratona que eu creio que jamais vou ser capaz de vencer. durante grande parte da minha vida adulta eu evitei beber álcool porque isso me tirava do controle. recentemente, eu comecei a beber com uma certa frequência justamente pra isso. eu não sei se quero o controle ou se quero perdê-lo de vez. mas o ponto é que eu acho que no final do dia, independente de qualquer coisa, eu ainda não mereço ser amada. porque para ser amada eu preciso ser melhor, preciso me dedicar mais, preciso ser boa e é tão difícil ser boa. e aí eu prefiro evitar a rejeição me afastando, sabotando meu próprio esforço. me faz pensar naquela música da taylor swift, anti-hero, em que ela diz “eu encaro o sol diretamente mas jamais o espelho” e essa foi uma das mais tocadas do meu ano (grande concorrente ao top 5 do spotify wrapped) porque essa frase, provavelmente pensada para aumentar ainda mais o lucro do complexo industrial-militar taylor swift corporations ainda reverbera muito em mim. talvez todo mundo se sinta assim e talvez seja esse o poder das canções pop. mas não vou divagar aqui.
eu não quero só ser amada. eu quero sentir que mereço amor. eu queria que hoje alguém me abraçasse até eu dormir para eu me sentir menos sozinha, para que eu acordasse sentindo que tô pronta para lutar contra os Terrores. mas eu vou deitar sozinha e a única coisa que vai me acompanhar é, ironicamente, a solidão. solidão essa que eu acho que é a única coisa que eu mereço.
Assustador ler um texto que parece que fui eu mesma que escrevi, de tao grande que foi a identificação. A parte em que vc diz que não tem pensamentos suicidas mas que queria morrer: já perdi as contas de quantas vezes escrevi e pensei exatamente isso rs
Como alguém que pensa exatamente como vc e sente algo muito parecido a vida toda, só queria dizer que embora não pareça, o amor sempre encontra a gente e a gente sempre se reencontra com ele. O que me faz acreditar que ainda mereço amor é pensar que ainda sou capaz de dar esse amor também. Sei que é fácil falar e quase impossível por em prática, mas espero que a cada dia que passe, você também encontre novas formas de acreditar que sim, você merece ser amada exatamente por ser quem você é. Um abraço enorme ❤️
Muito forte seu texto e sua coragem em descrever algo tão pessoal como a solidão. Que sempre é e sempre será de cada um. A imagem da geladeira e do Carmy preso lá dentro é bastante vívida... espero que de alguma forma isso se dissolva com o passar do tempo, com a terapia e com a escrita...